No saneamento, Iguá e Aegea ganham companhia de Sabesp e Acciona para dividir o bolo das concessões
23/10/24
Adobe Stock Photo
Com um calendário apertado, os principais investimentos para a universalização do saneamento básico no Brasil estão concentrados em poucas empresas, alertam especialistas ouvidos pelo InvestNews. A boa notícia é que pelo menos dois players de peso se encaminham para entrar no mercado: a Sabesp, com sua nova estratégia de nacionalização, e a espanhola Acciona, que venceu seu primeiro leilão recentemente. A dupla tende a ajudar a acelerar os aportes necessários para a expansão obrigatória do serviço até 2033.
Faltam menos de 10 anos para que as empresas cumpram as exigências do Marco do Saneamento de 2020, de garantir acesso a água potável a 99% da população e tratamento e coleta de esgoto para 90%. Até aqui, o que se viu foi Aegea e Iguá dominando o avanço dos investimentos: ambas ganharam as concessões mais relevantes nos últimos três anos. Em contraste, BRK Ambiental e Águas do Brasil tiveram atuação mais tímida.
“Muita coisa acabou ficando para poucas empresas”, reforça Renato Sucupira, sócio da BF Capital, consultoria especializada na estruturação de financiamentos para projetos de infraestrutura. “Não dá para dizer que essas companhias chegaram ao limite [de endividamento], mas a presença do investidor estrangeiro, que era a expectativa inicial [com o Marco do Saneamento], ainda não aconteceu.”
Estimativa mais recente do Instituto Trata Brasil aponta que serão necessários R$ 44,8 bilhões por ano para que a meta estabelecida pelo marco seja alcançada. Desde 2020, os investimentos têm girado em torno de R$ 20 bilhões por ano.
Para Clayton Souza, sócio responsável por indústria e infraestrutura na L.E.K. Consulting, algumas empresas passam pelo momento de “digestão” dos ativos, o que limita a capacidade de partir para novos investimentos. “O saneamento deveria atrair mais players internacionais e estratégicos mas, muitas vezes, falta para o investidor encontrar o cavalo certo”, acrescenta.
Novos competidores
Se os últimos anos foram dominados por Iguá e Aegea, agora o jogo passará a contar com Sabesp e Acciona para dividir o bolo de concessões.
É improvável que a Sabesp, que teve sua privatização finalizada no fim de setembro, participe de novos leilões neste ano. Mas a Equatorial Energia, que pagou R$ 6,9 bilhões para se tornar acionista de referência da Sabesp, pode ampliar seus investimentos no setor.
A companhia já deixou claro ao mercado que seu objetivo é tornar a Sabesp sua plataforma de saneamento básico no país. Em apresentação a investidores, a companhia mostrou que estuda concessões que deverão ser leiloadas no ano que vem, como Goiás, Minas Gerais e Paraíba. Hoje, além de São Paulo, a Equatorial possui a gestão do serviço no Amapá.
A Acciona, que já atua em outros projetos de infraestrutura do país e ensaiava há alguns anos sua entrada no saneamento, entrou de fato no mercado em setembro, ao ganhar um dos lotes da Parceria Público-Privada (PPP) de saneamento da estatal paranaense Sanepar. Agora, a expectativa é que a empresa espanhola passe a disputar mais concessões.
O próximo leilão de saneamento está previsto para o fim deste mês para a concessão de saneamento no Piauí. Na sequência, vêm Pará, Pernambuco e Rondônia. Também existe a expectativa para a concessão do serviço em Porto Alegre no ano que vem.
Dívida concentrada
Por enquanto, o cenário ainda é de concentração. E um dos principais efeitos colaterais é que o endividamento também acaba concentrado, levando as empresas a montarem verdadeiras engenharias financeiras para garantir os aportes e continuarem buscando novas oportunidades.
O exemplo mais recente é o da Iguá. Após se comprometer a pagar R$ 4,5 bilhões pela concessão de água e esgoto em Sergipe por 35 anos, a empresa anunciou, no mês passado, que fará um aumento de capital com o aporte de seu principal acionista, o fundo de pensão canadense CPPIB. O aporte, de até R$ 2,2 bilhões, visa fazer frente ao pagamento da outorga e aos R$ 6,3 bilhões em investimentos obrigatórios no Estado.
Com a operação, a empresa quer evitar um aumento de seu endividamento, que antes do leilão já estava em uma relação estratosférica de 7,2 vezes a dívida líquida pelo lucro operacional (Ebitda). A consequência de um nível de endividamento tão alto é que os financiamentos começam a ficar mais caros e escassos diante do risco de inadimplência.
André Pires, CFO da Aegea, diz que é inevitável tomar dívida para qualquer empresa de saneamento. Mas que esse é um setor em que a estruturação de um project finance pode ser mais fácil. Isso porque as empresas têm o monopólio do serviço, o que garante a previsibilidade de receita, sem concorrência.
O executivo cita como exemplo a Águas do Rio, principal ativo da empresa, que cuida da concessão de água e esgoto de 35 municípios do Rio de Janeiro e que vai demandar cerca de R$ 40 bilhões em investimentos em 35 anos.
“Fizemos um mix de financiamentos, entre linhas de bancos de fomento e mercado de capitais, e hoje a Águas do Rio não precisa captar mais nada e nem de novos aportes da Aegea. É um projeto ‘fully funded’, ou seja, é um ativo que ele se paga”, explica.
Outro grande projeto da empresa é a gaúcha Corsan. A Aegea comprometeu cerca de R$ 17 bilhões entre a compra da empresa e os investimentos obrigatórios. Nesse caso, a estrutura de capital do ativo ainda não foi toda equacionada, mas a tendência é que, a partir de 2025, a empresa passe a acessar o mercado com mais frequência para fazer frente ao compromisso.
Acessar o recurso não deverá ser um desafio, diz Pires, uma vez que órgãos de fomento estão mobilizados para auxiliar na expansão do saneamento.“Há um interesse muito grande das agências multilaterais em financiar o saneamento no Brasil, e normalmente vem com um prazo mais interessante”, acrescenta o CFO da Aegea – que, vale lembrar, é controlada pelo fundo soberano de Singapura (GIC, em inglês), Itaúsa e Equipav.